5 de ago. de 2007

Em Defesa dos Mortos


Salvador, 25 de outubro de 1836: uma multidão pluriclassista e multiracial destrói o cemitério do Campo Santo. Inaugurado três dias antes, ele havia sido construído por uma empresa que obtivera do governo o monopólio dos enterros da cidade. Até aquela data, as pessoas eram sepultadas nas igrejas, costume considerado essencial para a salvação das almas. A revolta contra o cemitério, denominada "Cemiterada", foi feita por centenas de manifestantes em defesa de uma vida melhor no outro mundo. Na luta, confrades de diversas agremiações religiosas brandiam estandartes e ostentavam hábitos coloridos, representando uma cultura funerária afeita ao espetáculo e refratária à medicalização da morte. Vinte anos depois do levante, a epidemia de cólera, trazendo em seu rastro a experiência cotidiana dos corpos putrefatos, provocava alterações que as leis e autoridades, impondo o cemitério, não tinham sido capazes de desencadear. A morte deixava de ser uma festa para se tornar uma ameaça terrível.

(Na aquarela, Jean-Baptiste Debret retrata um cortejo fúnebre no Brasil do início do século XIX)
Recomendação do dia: o livro "Vida no Brasil", de Thomas Ewbank, ed.usp, um fascinante registro da cidade do Rio de janeiro em 1845/46 na visão desse viajante norte-americano, cujo testemunho nos fornece um painel do passado, analisando costumes e hábitos do povo carioca no século XIX.